Tendências do passado

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Eu estava relutante em ir ao maior evento de gastronomia da América Latina nesse ano. Até onde sei a Prazeres da Mesa Ao Vivo tornou-se um evento gastronômico de relevância internacional e, nesse ano pela primeira vez, estava fora do ninho Senac SP.

Estou no mercado há pouco mais de 1 década (desde 2003) e percebi ao longo desses anos que nossa inovação gastronômica tem base, quase que exclusivamente, em copycat (modelo de copia-e-cola empresarial). Fomos criados gastronomicamente pelo modelo educacional norte-americano e, consequentemente, francês, cujo aperfeiçoamento consolidou-se no século XX. Ou seja, temos uma educação culinária, de mercado, de relacionamento humano e entendimento de ingredientes que está embasada no contexto e necessidades do século passado, mas estamos com 15% do século XXI concluído.

O que estamos fazendo de inovação de verdade?

Eu entendo que inovação tem diferentes aspectos e intensidades – considero um dos melhores videos sobre isso esse aqui da Endeavor, com o Marcelo Salim. Mas já parou para pensar que gastamos mais tempo copiando do que criando? Ou melhor, já percebeu que passamos mais tempo produzindo receitas ou negócios repetidos do que empreendendo na gastronomia? E quando penso em empreender, quero destacar os esforços destinados a resolver problemas. Traduzindo.. criar startups do zero, startups dentro de empresas, startups dentro de startups.

E o que vi nessa Semana Mesa SP foi justamente a nova gastronomia do passado.
Não quero nem ousar dizer o quanto é difícil fazer esse evento. Múltiplas aulas, chefs internacionais, logística de fornecedores, aulas, pessoas etc, envolvimento de negócios na cidade, jornalistas, profissionais, estudantes etc.. Um mega evento que vem sendo maturado desde 2004. No primeiro ano visitaram perto de 1000 pessoas. Hoje já são mais de 20 mil em 3 dias de evento, sem contar a cobertura online. Com certeza é um sucesso.

Mesa Tendências 2015

Auditório do Mesa Tendências 2015

Ano passado, o Mesa Tendências falou sobre o tema “Produtor Familiar e a Cozinha”, trazendo bastante informação sobre como os chefs trabalham a produção própria, discussões de legislação e críticas aos modelos industriais existentes. Foi um ótimo trabalho, mas esqueceram de dar mais voz aos fornecedores, aos centros de distribuição e aos próprios agricultores de São Paulo, por exemplo. Esqueceram de colocar em algum momento os dados da agricultura familiar, volume de produção nacional, exemplos externos, números de mercado e os principais problemas para o avanço. Mas o evento captou a importância do tema e o lançou para a discussão. Aqui estamos..

Esse ano, a meu ver, o tema “a Nova Gastronomia: compartilhando inovações, conhecimento e paixão” só distorce o significado da #novagastronomia que começa a pipocar em redes sociais. As palestras eram interessantes e provavelmente o congresso foi o melhor lugar para ver e ouvir tanta gente relevante no mercado de cozinha. Just it. A nova gastronomia é mais do que isso e está surgindo de movimentos que atuam em toda a cadeia produtiva da alimentação.

magicExemplo? Lixo alimentar. Há algumas iniciativas com pessoas muito engajadas em colocar na cabeça de chefs e cozinheiros de que o lixo precisa ser separado e reciclado (1o ato). Depois, que o lixo orgânico pode ser transformado em adubo (2o ato). Então, incrivelmente, que o lixo pode produzir os próprios alimentos que o restaurante precisa (3o ato). It’s magic.

O lixo é um problema de verdade, em todo lugar. Assim como o desperdício de energia e água dos estabelecimentos, ou os impactos que as escolhas de cardápio causam no ciclo da cadeia de produção do alimento. Ou a falta de dados genéricos de negócios sobre restaurantes (especialmente por região), ou tecnologia para conectar o produtor ao restaurante, ou a reprogramação de faculdades para cursos mais modernos, ou o excesso de agrotóxicos na lavouras, ou a extinção de espécies do nosso quintal (terra e mar), ou o baixo interesse e fomento à pesquisa. Esses são problemas que precisam de soluções criativas, diversificadas e já!

E que tal trazer os temas: impressão 3D de alimentos, sistemas de pagamento móvel, plataformas de pedido e negociação online, mercados locais orgânicos, financiamento coletivo de restaurantes, produção própria de alimentos dentro de espaços pequenos, estoques pesqueiros, drones na agricultura, mercado da microprodução de bebidas, aproximação da cadeia produtiva e tantos outros temas que podem ser tendência ano que vem, daqui a alguns anos ou apenas uma realidade que precisa ser ampliada agora?

Assim, considero que há muito por fazer e esse ano o Semana Mesa + Tendências não antecipou nada. Foi um bom evento para relacionamento de cozinheiros, chefs e jornalistas. Espero que o próximo possa ter mais informações que trabalhem a gastronomia como um todo e abram a mente dos profissionais e estudantes para algo realmente novo. Um olhar para o futuro da gastronomia no Brasil.

Gastronomia e design espanhol

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Hoje entendi a força da gastronomia espanhola na gastronomia mundial. Estive na exposição Tapas Design Espanhol para Gastronomia (nesse final de semana) e fiquei impressionado com a identidade culinária construída pelo design, que vai além de receitas e ingredientes e permite-se ultrapassar modelos impostos pela tradição para fazer algo novo.

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Foram anos de imersão no desenvolvimento de materiais, entendendo ingredientes , criando soluções tecnológicas, novos materiais e uma nova visão sobre a experiência. Os irmão Roca (Joan e Jordi), os irmãos Adrià (Albert e Ferran) e Andreu Carulla foram os nomes mais comuns na exposição como criadores dos conceitos e design.

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O design na gastronomia é tão importante quanto cozinhar. Dos utensílios de serviço, ambientes, louças e equipamentos que sustentam um banquete para conhecer a inovação à mesa, os espanhóis criaram uma nova gastronomia que vemos há alguns anos nas revistas, livros e cardápios de restaurantes. Mas o que acho mais importante desse movimento é entender a força motriz de suas criações. O que os fizeram percorrer e persistir em caminhos tão inovadores e inexplorados.

A gastronomia espanhola tem muita tecnologia e, a meu ver, foi isso que os fez evoluir. Estavam abertos ao desenho industrial, aos ceramistas, artesãos, ao ambiente clean metódico, à contradição, à desconstrução, ao laser, botões, eletrônica, à paródia, à observação do uso e tantas outras questões que se multiplicaram conforme conseguiram pensar em design.

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Alguns objetos já são conhecidos de tempos, parecem óbvios até, mas sabemos que à época revolucionaram uma boa parte do show da gastronomia. E seguem alterando a experiência de ponta a ponta de um restaurante. Vimos a crescente dessa nova gastronomia.

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Agora penso, o que os designers e chefs fizeram pela gastronomia espanhola e mundial nos últimos 15 anos poderá ser renovado? Imagino que o foco da nova gastronomia não será a experiência, pois essa já foi e está sendo explorada. Possivelmente será a gastronomia que conectará o produtor ao produto, a origem local, novas tecnologias de design, produção própria indoor, do campo ao garfo, dos microlotes e multiculturas de alimentos. O design estará voltado ao processo, talvez contando a história da vida do alimento diante de um prato e talheres.

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